Desde as primeiras peças ou exposições realizadas nos anos 90 até às mais recentes, a produção artística de Miguel Palma tem refletido processos de continuidade, de work in progress, que fundamentam uma perspetiva de investigação de longo curso, imune ao desgaste. Na Galeria Solar, ele expõe Densidade, um conjunto de trabalhos que evidencia processos, movimentos, qualidades ou estados físicos, por intermédio de experiências mecânicas, com relações de sentido com a complexidade e contingências da existência no mundo atual. Dotada de um agudo sentido de ironia, a sua proposta consiste em fazer ver que qualquer coisa se pode transformar numa outra.

Miguel Palma afigura-se-nos, sem dúvida, um dos artistas portugueses que melhor poderia conceber uma proposta que partisse desta premissa, capaz de reflectir sobre os dispositivos, a encenação ou os lugares, conferindo-lhe uma nova dimensão capaz de nos levar para uma ideia de fantasia e, ao mesmo tempo, questionar a realidade social e política contemporânea. O artista dedicou-se, desde muito cedo, à construção de máquinas e outros engenhos, assumindo-se como uma espécie de artista-engenheiro. Nesta actividade quase obsessiva de manipular os materiais e a tecnologia e, assim, reinventar os objectos e as imagens do mundo, reconhecemos nele uma dimensão lúdica e uma inclinação para a fantasia que nos transportam para o universo da infância.
A sua forma de pensar os espaços e as suas construções, remetem-nos também para um universo imaginativo e inventivo, em relação ao qual somos levados a discorrer acerca do universo de Georges Méliès, o realizador (inventor dos primórdios do cinema). Contudo, sob uma aparente dimensão lúdica, as obras de Miguel Palma transmitem frequentemente uma visão crítica e irónica do mundo actual e da falência das utopias associadas ao progresso que marcaram o século XX, remetendo-nos para Jacques Tati e o emblemático filme Playtime. Pelos motivos atrás enunciados, tornou-se premente tornar este projecto uma realidade capaz de nos transpor para uma nova etapa da vida da Solar.

Pedro dos Reis é o artista convidado por Miguel Palma para desenvolver um novo projeto no âmbito da iniciativa Cave, promovida pela Solar. Nesta exposição, a partir de uma mensagem simples e concreta – Sometimes the best way to find something is to move away from it – Pedro dos Reis remete-nos para o domínio da experiência e da observação das suas imagens, projetadas numa instalação de diapositivos, evidenciando diferentes perceções sobre a relação que mantemos com os espaços por onde passamos. Num jogo que caracteriza a incoerência da mobilidade, a distância pode afinal representar um encontro e a proximidade pode confrontar-nos com a distância do conhecido.

O resultado do trabalho entre os artistas e a curadora convidada, Sandra Vieira Jürgens, permitiu desenvolver, ao longo dos últimos meses, um projecto de diálogos, o qual deu origem à concepção de um conjunto de peças originais de Miguel Palma e Pedro dos Reis e na qual resulta esta exposição.(1)
As duas exposições serão acompanhadas por um catálogo que mais não faz do que alargar o encontro com as obras em exposição e documentar cada projeto, com processos de diálogo que estimularam a conversa e a escrita em torno da experiência da arte, aqui numa rara conjunção de escultura, fotografia, e objetos cinemáticos.

Sandra Vieira Jürgens