Na sua primeira apresentação institucional em Portugal, o artista britânico Graham Gussin (Londres, 1960) apresenta uma selecção de trabalhos de 1997 a 2008.
Neste contexto é igualmente apresentada a intervenção Film poster de 2008, obra inédita e especificamente produzida para Vila do Conde.
Partindo da apropriação e da manipulação de imagens e narrativas literárias, da história da arte e do cinema, Graham Gussin opera através de um rigoroso programa conceptual deslocações para territórios de estranheza visual e perceptiva.
Ancorando-se num espectro diversificado de meios, onde se inclui o texto, o filme, o vídeo, o som e a instalação, a sua prática desconstrutiva interroga recorrentemente o conceito de sublime mediante um trânsito contínuo entre o aparentemente próximo (a transparência da imagem) e o efectivamente distante (a descodificação dos seus nexos narrativos).O interesse de Graham Gussin na imagem cinematográfica reside essencialmente no modo como esta preenche fisicamente o espaço da recepção e como também acaba por ocupar o nosso inconsciente.
Ao referenciar um universo culturalmente estabelecido, como sejam as imagens e os conteúdos narrativos do universo da ficção científica ou dos filmes de terror, este artista vai acentuar o seu carácter ambíguo ao sobrepor, cortar, inverter ou descontextualizar os seus elementos mais ou menos tipificados. Isto é, ao criar mobiles com imagens de cenas de filmes de terror, por exemplo, está a associar ideias de leveza, transparência e do sublime – que seriam características nas obras de Calder -, com um contexto de uma violência que no seu caso é sempre mais sugerida do que explícita: na verdade, as imagens que utiliza são sempre imagens in-decisivas que tanto podem mostrar paisagens anónimas, como locais que sabemos vir a constituir-se como palco das acções mais violentas.
As peças de texto tanto podem criar sucessões mais ou menos aleatórias de frases retiradas do universo cinematográfico, onde normalmente aparecem num contexto de definição de espaço ou tempo (por exemplo: “há cinco anos atrás”, ou “numa terra distante”), como jogar criativamente com títulos literários ou filmes para a construção de meta-narrativas que jogam com a estranheza como factor primordial de confronto com o espectador.
Nos seus filmes e vídeos Graham Gussin tanto manipula imagens da história do cinema, como em Ambient Horror (Day of the Fifteen Dead Layers), de 2006, que é um loop de cem minutos que torna o écran numa espécie de membrana fatídica para imagens hiper-transparentes de personagens que se vão aproximando e desvanecendo de forma fantasmática, como pode criar armadilhas visuais de extrema eficácia: em Spill (primeira versão em 1999), um nevoeiro falso criado com gelo seco invade ameaçadoramente uma paisagem semi-industrial e abandonada; tal como em muitas situações de filmes de terror, passando pelos vídeoclips e a publicidade, este elemento torna-se numa espécie de personagem com vida própria. No entanto, o modo como o autor monta o filme, em longos travellings, pode, ainda que paradoxalmente, sugerir um ambiente hipnótico ao espectador, o que acaba por sublinhar a importância que este artista dá à capacidade das imagens se afirmarem ambiguamente no momento da sua recepção, condicionada por factores tão díspares quanto subjectivos.
Assim, a exposição de Graham Gussin no Solar – Galeria de Arte Cinemática vem acentuar e dar visibilidade, a partir de um exemplo de extremo rigor conceptual e sedimentado em obras de grande eficácia visual, ao modo como na contemporaneidade os artistas cada vez mais se aproximam do cinema e das linguagens cinemáticas, num processo em que também se deve referir o percurso inverso, ou seja, aquele que tem aproximado muita da produção cinematográfica coeva ao experimentalismo das artes visuais no domínio da imagem em movimento.
Miguel von Hafe Pérez
Visita orientada por Miguel von Hafe Pérez
16 de Novembro, domingo, 17h